quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Entrevistão

Marie-Claire Devos é estudante do último período de jornalismo da Universidade Positivo. Como o trabalho de conclusão do curso é uma revista de Cultura para Curitiba, e achando bacana nossa entrevista em abril na Gazeta do Povo, resolveu fazer uma matéria sobre o PrasBandas.

Além desse entrevistão comigo, nesse sábado ela e o Gabriel Hamilko foram até a Escola Municipal Maria Marli Piovezan na retomada da Oficina de Fotografia e conversaram com alunos, alunas e com o professor Douglas Fróis.

Boa sorte a eles na nova profissão e obrigado por nos escolherem!

Sugestão: Se já não o fez, pause o som do
Maxixe Machine ali ao lado antes de ler asduadsuhhsdua


www.gurdjieff.org.br

1) Como e quando surgiu a ideia do PrasBandas?
Tudo começou quando eu era moleque e fugia da missa pra escalar uma cruz que tinha fora da igreja. Depois, adolescente fui num centro espírita e um exu veio me dizendo que eu era "corpo fechado". Jovem li sobre budismo, fiz gnose e depois fiquei uma década e meia numa escola de autoconhecimento chamada Gurdjieff. Tomei ayuasca até uma leitura de mapa astral reencarnacionista me chacoalhar: "Você tem que sair de casa, usar essa tua capacidade de liderança pra ajudar os outros. Na vida passada você foi egoísta pra cacete... É hora de transmutar isso fazendo algo social e com elementos que seja essencial pra você - no caso, arte e ciência. Senão, no fim da linha você vai ficar de cara consigo mesmo - de novo". Então, a idéia é descobrir as respostas pras perguntas cabeludas da minha vida, do tipo "O que eu tô fazendo aqui?"


Praça da Liberdade no Bairro Alto

2) O Prasbandas atua em só um bairro ou em outro?
O sonho é abranger todas as áreas com menos grana e informação da cidade, ir pra região metropolitana, e mais tarde quiçá o interior do estado. Sonho, sonho, sonho... Ainda bem que me veio mais paciência que ansiedade, senão tava fodido e não sairia nada da cabeça, nem pro papel. Atualmente nossas pequenas mas ações reais são as oficinas gratuitas em uma escola pública do Uberaba e as inscrições pros artistas do Bairro Alto se apresentarem na praça.

Edinho e Seu João

3) O projeto não só dá oportunidade para as bandas, como também oferece cursos de fotografia, astrologia e de música. A comunidade comparece? Qualquer um pode participar?
Sim! Queremos complicar cada vez mais... Já que a arte pode salvar a vida de uma pessoa, que seja a manifestação que ele mesmo produz o colete salva-vidas. Na praça Renato Russo foi lindo! Imagine... Mães com os filhos no colo, senhores de idade com suas bicicletas Barra Forte, analfabetos poetas e intelectuais escritores, pastores e adolescentes evangélicos bonzinhos entre macumbeiros e metaleiros que brincam de serem malzinhos (risos). Veja só. A imagem do evento em praça pública que eu sempre quis era a de um catador de papel, chegando com seu carrinho e esquecendo dele em meio a tanta gente simples absorvida pelas fotos, poesias, canções, etc. Mas daí apareceu o Seu João, um poeta analfabeto que não sabe ler seus poemas, escritos sempre por alguém que ele pede pra ajudar a transferir da cachola pro papel. Com sua pastinha de poesias, chegou, pediu espaço e o Edinho subiu com ele e leu algumas. Foi um presente único entre aquelas 600 pessoas que passaram pela frente do palco naquele domingo. Eu me emociono, porque a alma é essa: fomentar a arte que cada um possa ter em si, descentralizar de onde é cartão postal da cidade e dar gás a diversidade, ao respeito entre as diferenças! Morando no bairro, qualquer um pode se inscrever, mas vem gente de todo canto ver qual é.

A comunidade na praça

4) Como é a recepção da comunidade?
Sempre acham bacana e ficam sempre agradecidos porque compreendem que estamos montando tudo aquilo pra eles. É uma energia forte, uma troca muito boa sempre. Eles sentem que não é macumba pra turista, não é ação política-partidária, não é carimbo pra passaporte de ninguém. Eu sempre tentei - mesmo antes de sair o primeiro rascunho de tudo - pensar no que uma comunidade da periferia precisa, que tipo de carência estamos falando, qual a necessidade real dessas pessoas... Fazer algo de cabo à rabo pro outro através de um mix do meu passado publicitário mais o "buscador da verdade" é o norte sempre.


Oficina de Astrologia

5) Li na Gazeta que a aula de astrologia foi uma ousadia sua? Por quê essa ideia surgiu?
A justificativa mais revolucionarizinha é a de que temos autonomia pra interferir onde queremos com o que acreditamos... Mas a mais real e menos Fidel Castro é a de que não temos escolha, é uma espécie de pagamento cármico. Sem essa leitura do meu mapa astral (feita em julho de 2004 pelo Carlos Maltz - fundador e primeiro baterista dos Engenheiros do Hawaii), nada disso teria rolado. É tudo muito nonsense, mas é um reflexo da minha vida; fazer o que? (risos) Quem me conhece sabe que é assim mesmo que as coisas acontecem comigo... Tento muito desmistificar pra não entrar em discursos babacas, panfletários. E como a minha leitura é a de que foi bom pra minha vida, passo a bola. Se outras pessoas forem influenciadas positivamente nesse sentido de acordar pra certos sonos interiores tá lindo.

6) O Prasbandas dá a oportunidade para bandas curitibanas. Só bandas com letras próprias podem participar ou covers e/ou outras letras de outros músicos também podem participar?
Sim, pras bandas autorais porque cover ninguém merece (risos). Não precisamos de mais artistas fakes nesse mundo plástico. Como diria o grande Lobão - cover é gozar com o pau dos outros. Sabemos que é um parto criar algo pessoal, uma responsabilidade, um filho teu no mundo do outro! Se é talentoso ou não, a seleção é natural e o tempo dirá. Fingir que se é outra pessoa é suicídio, a arma dos fracos... A vida é muito curta e urgente: não temos tempo e nem saco pra picaretagens. O que importa é o movimento do trabalho de parto.

www.oteatromagico.mus.br

7) Alguma banda ou algum músico se destacou no cenário musical curitibano?
Algumas bandas quando passaram pelos palcos do PrasBandas já tinham um trabalho sério e uma certa projeção na mídia nacional, como Terminal Guadalupe, O Teatro Mágico, Charme Chulo, Poléxia. Como convidadas sempre chamamos quem está trabalhando em todas as etapas, da criação da composição e ensaio à execução em shows e registro em estúdio com qualidade. Dificilmente chamamos quem queima etapa. Então, vejo que a nossa colaboração é fornecer uma garrafinha de água pra quem já tá na maratona suando. Não nos sentimos responsáveis pelo possível destaque das inscritas e o cachê de R$ 400,00 pras convidadas vemos como uma toalhinha pra secar o suor de quem já tá ralando faz tempo. É uma relação muito mais de amizade e consideração do que de empresariado e dividendos.

"Curitiba você é a única droga que eu vou admitir na minha vida"

8) As bandas fazem shows pela cidade? Como é a receptividade do público?
Se não fazem deveriam se ocupar com isso porque entendo que banda que não faz show não é banda. Agora, a primeira intenção do nosso projeto quando ainda Festival de Bandas era formar público para artistas daqui, porque o consumo de produção cultural local do curitibano é miúdo, não dá sustentabilidade a ninguém. Uns amigos acham que isso faz parte da história de Curitiba que foi sendo habitada por várias etnias e subdividiu a identidade cultural, gerando um povo sem tesão pelo o que é produzido aqui justamente por não aceitar isso como sua propriedade. Pode ser. Por essas e outras que eu me identifico com bandas que cantam em português, que falam do local onde vivem e que tem um conceito focado em abrandar essa ojeriza que temos em consumir arte nossa.

Vila União, Uberaba

9) Ainda na matéria você diz que a ideia é estar na periferia. Por que a escolha dela?
Porque como você e o Gabriel viram, ali perto da escola onde estamos com as oficinas tem bastante gente que não tem grana pra pagar um curso particular. E o principal motivo de estarmos ali é promover esse acesso que a falta de grana bloqueia. Dar a quem tem menos é estimular uma troca de valores que não tem preço. Eu moro no Xaxim desde 1975, não tive acesso a muita coisa pela condição financeira da minha família, mas tive quando nos fins de semana ía brincar na casa dos meus primos e primas, moradores do Guabirotuba, estudantes do Medianeira, com acesso a grupo escoteiro, aulas de ballet e amigos com piscina em casa. Essa outra realidade extra ampliou a percepção da minha vida no mundo. Ela já não era apenas as bolinhas de gude, pipas e esconde-esconde. Esse link da minha infância tem plugado muito as inspirações do PrasBandas que é abrir janelas na alma de quem talvez possa ter uma. Com comprometimento caro, sem assistencialismo barato.

Capa do livro

10) Muitas vezes as pessoas e o governo não investem muito em cultura, ainda mais sendo ela algo desenvolvido para a comunidade. Na sua opinião, a cultura e o Prasbandas são uma forma de transformação social?

Governos interessados que o eleitorado fique mais atento e interessado na vida? Huuummmm... Tava vendo 1984 - filme baseado no livro - e a manipulação que Orwell sinalizava lá atrás no fim dos anos 40 hoje em dia não só continua como anda requintada e nada sutil. O apego do homem pelo poder que gera fama e grana é um vírus que se recicla a cada década. A esquerda, o centro e a direita são só opções de rotas e não mais ideológicas. Os partidos políticos são um abuso, uma afronta à liberdade e a construção de um pensamento inteligente e o único esforço medíocre que fazem é o de se manter por perto de quem está com a faca e o queijo na mão para não morrerem de fome. Masturbadores mentais, não tão nem aí para transformar nada coletivamente de forma prática. São tão egoístas que transformação social é uma pauta sempre colocada no fundo da pasta. Arregaçam as mangas só pra chover no molhado entre ironias e flertes nas mesas de bar regados a cervejinha gelada. Muita teoria baseada em palavras bonitas chupadas de livros defasados que me cansa. Já nós, meros mortais da periferia, independente de qualquer partido, queremos sinceramente transformar algo sim, de forma autêntica e se não for pela cultura fomentada aqui na própria comunidade, não sei qual é o caminho ainda mais honesto.

O festival que a Adri e o Ivan organizam

11) As leis de incentivo a cultura aqui no Paraná quase não existem, a única instituição por aqui que oferece incentivo por editais é a Fundação Cultural. Como o projeto faz para se manter?
O Requião caga e anda pra quem se diz produtor cultural por aqui e eu até concordo com ele, se for ver o tipinho de produtores que se levantam pra questionar e exigir apoio público. Tem muita picaretagem, hipocrisia, falta de comprometimento artístico, lavagem de grana, cara de pau. É a mesma laia laranja e sanguessuga que ocupa espaços públicos via partidos políticos. A FCC ainda consegue aprovar projetos conceituais como os da Grande Garagem que Grava e agora ano passado abriu um edital inédito no Brasil para Festival de Música Independente, que modéstia à parte ganhamos junto com gente séria da cena como Perin, Ivan, Vlad e Vadeco. Fizemos o caminho inverso das ONGS picaretas, que não tem projeto algum pra ninguém, não gostam de trabalhar mas se oficializaram no ufanismo de enriquecer. Estamos na rua desde 2005 é só agora estamos sondando a possibilidade de como OSCIP crescermos nessa missão de produção cultural. Já fomos de forma amigável e nada "profissional" pedir apoio da Prata Fina que só deu em papo furado e agora na Ferroeste que fomos bem recebidos. Mas quando nosso Documentário em DVD ficar pronto vamos bater burocraticamente de porta em porta em todas as empresas fortes da cidade. Sabemos que quase 40% das grandes empresas nacionais tem sede aqui em Curitiba e arredores, mas vamos primeiro nas que nasceram aqui e estão fortinhas. Os departamentos de Marketing que ponham mais água no café porque logo estamos chegando.


12) Para você como é ser idealizador e participar do projeto, no sentido do que isso agregou na sua vida?
Eu só participo do que idealizo ou no mínimo do que acredito, mesmo que no meio do caminho se aprimore e se complique. Agora mesmo acabei de receber um telefonema do Leandro do Charme Chulo que gosto muito, me convidando para ajudar na divulgação do novo cd, porque tão com a agenda cheia fora de Curitiba e querem alguém de confiança aqui para segurar a onda. Topei, claro. Por que? Simplesmente porque acredito no trabalho deles: são criativos, corajosos, queridos e fazem arte com amor e respeito. Se for assim, beleza, o trabalho flui. Fakes são foda. Se eu não dou crédito, pulo fora. Então, a minha vida agrega amigos, abraços, sorrisos e esperanças de continuar sonhando por um mundo melhor para nós e para o outro. Seria por onde se não fosse pelo Uberaba?


2009
Curitiba/PR
Início da Primavera


Obrigado Nadine Neves por ajudar na revisão ;)


2 comentários:

¡¡¡Nadine!!! disse...

Nego, ainda tenho dúvidas. Prepare-se! Irei atormentar-te. Quanto à entrevista, no geral, adorei!! Beijão

Getulio Guerra disse...

nada de vírgulas nadine adsuhdsahuasdhu valeu querida!